John Wesley |
Sermão 1 - "A Salvação pela fé"
John Wesley
“Pela graça
sois salvos mediante a fé”. (Efésios 2.8)
- TODAS as bênçãos que Deus comunica ao homem vêm de sua mera graça,
munificência ou favor; de sua livre, imerecida benevolência, representando
graça inteiramente espontânea, visto nenhum direito ter o homem à menor
clemência por parte da Divindade. Foi a livre graça que “formou o
homem do pó da terra e nele soprou a alma vivente”, estampando nessa
alma a imagem de Deus e “sujeitando todas as coisas debaixo de
seus pés”. A mesma graça chega até nós, neste dia, traduzindo-se em
vida, respiração e todas as coisas. Nada do que somos, ou possuímos, ou
realizamos, merece o mínimo favor das mãos de Deus. “Todas as nossas
obras, ó Deus, tu as operaste em nós”. Assim, elas são outras tantas
manifestações de livre misericórdia; e, qualquer que seja a justiça que se
encontre no homem, ainda será também uma dádiva de Deus.
- Com que fará o pecador propiciação pelo menor de seus pecados? Com
suas obras? Não. Ainda que estas sejam muitas e sejam santas, não lhe
pertencem, mas são de Deus. Na verdade todas essas obras são ímpias e
pecaminosas, reclamando nova propiciação. Somente frutos corrompidos
pendem de uma árvore corrupta. E o coração do homem é ao mesmo tempo
corrupto e abominável, estando “desprovido da glória de Deus” — a justiça
gloriosa de inicio impressa em sua alma, segundo a imagem de seu grande
Criador. Assim, pois, nada tendo, nem justiça nem obras, que alegar, seus
lábios inteiramente se calam diante de Deus.
- Se o homem pecaminoso acha, pois, favor à vista de Deus, isto vem a
ser “graça sobre graça!” Se Deus ainda concede que desçam sobre nós outras
bênçãos e, ademais, a maior de todas, que é a salvação, que, podemos dizer
a essas coisas, senão repetir: “Graças sejam dadas a Deus por seu
dom inefável!” E assim é. Nisto“Deus recomenda seu amor para
conosco, em que, quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu para
salvar-nos. “Pela graça”, pois, “sois salvos mediante a fé”. A graça
é a fonte; a condição é a fé.
Para não decairmos da graça de Deus, cabe-nos
inquirir cuidadosamente:
- Qual é a fé mediante a qual somos salvos.
- Qual é a salvação que é mediante a fé.
- Como podemos responder a certas objeções.
I. Qual é a
fé mediante a qual somos salvos?
- Em primeiro lugar, não é meramente a fé dos pagãos. Deus exige que
o pagão creia que “Deus existe e que é remunerador dos que o
buscam”; que essa procura diligente se faça, glorificando-o como a
Deus, dando-lhe graças por todas as coisas e praticando cuidadosamente a
virtude moral, a justiça, a misericórdia e a verdade para com seus
semelhantes. O grego ou o romano, o cita ou o indiano, não teria,
portanto, nenhuma desculpa, se não acreditasse suficientemente nisto: o
Ser e atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição e o
caráter obrigatório da virtude moral. Este é simplesmente o credo de um
pagão.
- Não é, também, em segundo lugar, a fé do demônio, embora ela vá
multo além da dos pagãos. O demônio crê não somente que há um Deus
poderoso e sábio, gracioso no recompensar e justo no punir, mas também crê
que Jesus é o Filho de Deus, o Cristo, o Salvador do mundo. Encontramo-lo,
de fato, declarando, em termos categóricos: “Bem sei quem és: tu
és o Santo de Deus” (Lc 4.34). Nem podemos duvidar de que o
infeliz espírito creia em todas as palavras que saíram dos lábios do Santo
e mais em quaisquer outras que foram escritas pelos homens santos do
passado, acerca de dois dos quais ele fora compelido àquele glorioso
testemunho: “Estes homens são servos do Altíssimo, que vos mostram
o caminho da Salvação”. Não é demais, pois, que o grande inimigo de
Deus e dos homens creia e, crendo, estremeça, – que Deus se manifestou em
carne; que “submeterá todos os inimigos debaixo dos pés”; e
que “toda Escritura foi dada por inspiração de Deus”. Até aí vai a fé do
demônio.
- Em terceiro lugar: a fé mediante a qual somos salvos, no sentido em
que a Palavra será mais adiante explanada, não é meramente a que nutriam
os apóstolos, quando Cristo estava ainda sobre a terra, muito embora nele
cressem a ponto “de deixarem tudo para segui-lo”; embora
tivessem já nesse tempo o poder de operar milagres, de “curar todas
as espécies de doença e toda forma de enfermidade”; embora
tivessem “poder e autoridade sobre os demônios”, e, o que vale mais que
tudo isso, fossem enviados por seu Mestre a “pregar o Reino de
Deus”.
- Qual é a fé mediante a qual somos salvos? Pode-se responder, de
modo geral, que é, primeiro, a fé em Cristo: Cristo e Deus através de
Cristo são os próprios fundamentos dessa fé. Nisto se distingue ela
suficientemente, absolutamente, da fé, seja dos antigos ou dos modernos
pagãos. Da fé que possui o demônio ela se distingue por isto: não é uma
coisa meramente especulativa, racional, um assentimento frio e morto, uma
série de idéias que se amontoam na cabeça, mas uma disposição do coração.
Por isso diz a Escritura: “Com o coração o homem crê para a justiça”; e:
“se tu confessares com tua boca o Senhor Jesus, e creres em teu coração
que Deus o levantou dentre os mortos, serás salvo”.
- Nisto ela difere daquela fé que os próprios apóstolos nutriam
enquanto nosso Senhor estava na terra: reconhece a necessidade e os
méritos de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte
como o único meio suficiente de redimir o homem da morte eterna, e sua
ressurreição como a restauração de todos nós à vida e imortalidade, tanto
mais que ele “foi entregue por nossos pecados e ressurgiu para nossa
justificação”. A fé cristã é, portanto, não só um assentimento a todo o
Evangelho de Cristo, mas também plena confiança no sangue de Cristo;
confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição; descanso nele
como nossa propiciação e nossa vida, — vida divina que foi dada por nós e
vive em nós; e, em conseqüência disto, união com ele, adesão à sua pessoa,
coma “nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção”, ou, numa
palavra, — nossa Salvação.
II. O
segundo ponto a ser considerado é:
Qual é a Salvação que é mediante a fé?
- Primeiro qualquer que seja essa salvação, ela é uma salvação
presente. É alguma coisa atingível desde já, atualmente atingível na
terra, pelos que são participantes dessa fé. Por isso diz o apóstolo aos
crentes de Éfeso e, através destes, aos crentes de todos os tempos: “Vós
sois salvos mediante a fé”, e não: “Vós sereis salvos”,
embora também seja verdadeira esta última afirmativa.
- Vós sois salvos (para abranger tudo numa só palavra), do pecado.
Esta é a salvação que vem pela fé. Esta é a grande salvação predita pelo
anjo, antes que Deus introduzisse no mundo seu primogênito: “… a
quem chamarás JESUS, porque ele salvará seu povo de seus pecados”. Nem
aqui, nem nas outras partes do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação
ou restrição. Todo seu povo, ou, como se diz em outros lugares, “todo o
que crê”, Cristo o salvará dos pecados; do pecado original e atual,
passado e presente, “da carne e do espírito”. Mediante a fé
que há em Cristo, os pecadores são salvos, tanto da culpa como do poder da
culpa.
- Primeiro, da culpa de todos os pecados passados: Porque, conquanto
todo o mundo seja culpado diante de Deus, de modo que, se o Senhor
quisesse “assinalar que os que cometem erros, ninguém poderia nele
permanecer”; e uma vez que “pela lei vem”, somente, “o conhecimento do
pecado”, mas não a libertação dele, já que pelo cumprimento “das obras da
lei nenhuma carne pode ser justificada à sua vista”, —agora, todavia, “a
justiça de Deus, que é pela fé em Jesus Cristo, é manifestada a todo
aquele que crê”. “São justificados livremente por sua graça,
através da redenção que há em Jesus cristo”. “A este Deus
enviou para ser a propiciação mediante a fé em seu sangue, para declarar
sua justiça para (ou pela) remissão dos pecados passados”. Agora,
Cristo suprimiu a “maldição da lei, fazendo-se maldição por nós”.“Cancelou
o escrito de dívida que era contra nós, levando-o e cravando-o em sua
cruz”. “Agora não há, pois, condenação para os
que creem em Cristo Jesus”.
- Sendo salvos da culpa, os homens são também salvos do temor. Não,
em verdade, do filial temor de conceber qualquer ofensa, mas do medo servil
que escraviza; do medo, que causa tormento; do medo de punição; do medo da
ira de Deus, — desse Deus que eles agora não mais contemplam como um
Senhor severo, mas como um Pai indulgente. “Não receberam outra
vez o espírito de escravidão, mas o espírito de adoção, pelo qual
exclamam: Aba, Pai; testificando também o mesmo Espírito com seu espírito,
que eles são filhos de Deus”. São também salvos não da possibilidade,
mas do receio de decaírem da graça de Deus e de serem privados das grandes
e preciosas promessas. Deste modo “têm paz com Deus por nosso
Senhor Jesus Cristo”. Regozijam-se na esperança da glória de Deus
— e o amor de Deus se derrama abundantemente em seus corações, através do
Espírito Santo, que lhes é dado. Pelo Espírito são persuadidos (talvez não
em todos os tempos, nem com a mesma plenitude de convicção), de que “nem
a morte, nem a vida, nem as coisas presentes, nem as coisas futuras, nem a
altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de os
separar do amor de Deus, que, é em Cristo Jesus, nosso Senhor”.
- Ainda mais: mediante essa fé, são eles salvos do poder do pecado e,
bem assim, da culpa inerente ao pecado. Isto o apóstolo o declara:
“Sabemos que
ele se manifestou para tirar nossos pecados, e nele não há pecado. O que nele
permanece, não peca”. (1 João 3.5).
E em outro lugar:
“Filhinhos, que ninguém vos engane. O que comete
pecado é do diabo. Quem quer que crê é nascido de Deus. E quem é nascido de
Deus não comete pecado; porque sua filiação permanece nele e ele não pode
pecar, parque é nascido de Deus”.
Ainda mais:
“Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não
peca; pelo contrário, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o maligno não o
segura”. (1 João 5.18)
6. Aquele que pela fé é nascido de Deus, não peca:
- Por pecado habitual: porque
todo pecado habitual é pecado dominante, — mas o pecado não pode dominar a
qualquer que creia;
- Nem por pecado voluntário: porque,
enquanto permanece na fé, sua vontade tenazmente se opõe a todo pecado,
aborrecendo-o como se fora veneno mortal;
- Nem por qualquer desejo pecaminoso,
porque almeja constantemente a santa e perfeita vontade de Deus — e
qualquer tendência para o desejo profano ele a sufoca desde o inicio, pela
graça de Deus;
- Nem peca por enfermidade, quer
pela prática de qualquer ato, quer por palavra ou pensamento, porque suas
fraquezas não têm o concurso da vontade; e, sem tal concurso, não há,
propriamente; pecado. Assim, “o que é nascido de Deus não peca”;
e, embora não possa dizer que não tenha pecado, certo é que atualmente ele
não peca.
7. Esta é, pois; a salvação pela fé, mesmo no mundo
presente: salvação do pecado e das consequências do pecado expressas com
frequência pela palavra justificação, a qual, tomada em sentido mais lato,
implica na libertação da culpa e do castigo, pela propiciação de Cristo
atualmente aplicada à alma do pecador, agora crente em Jesus, e libertação do
domínio do pecado, mediante o mesmo Senhor, formado em seu coração. Assim,
aquele que é justificado, ou salvo pela fé, é, na verdade, nascido de novo.
Nasce outra vez do Espírito para uma nova vida, que “está escondida com
Cristo em Deus”. Como um recém-nascido, gradualmente recebe o “leite
racional, sem dolo, da Palavra — e cresce por ele”, subindo de fé em
fé, de graça em graça, até chegar, afinal, a “homem perfeito, segundo a
medida da estatura da plenitude de Cristo”.
III. A
primeira objeção que a este asserto usualmente se faz, é:
- Que pregar a salvação, ou a justificação, pela fé, somente, é
pregar contra a santidade e as boas obras. Á isto se pode dar esta breve
resposta: “O reparo seria verdadeiro, se falássemos, como fazem
alguns, de uma fé separada da santidade e das boas obras; falamos, porém,
da fé que, ao revés, produz todas as boas obras e toda a santidade”.
- Pode, entretanto, ser de maior utilidade à apresentação de uma
resposta mais extensa, principalmente se considerar que a objeção em
apreço não é nova, mas remonta aos tempos de S. Paulo. Já naquele tempo
perguntava o apóstolo: “Invalidamos a lei pela fé?” Respondemos,
primeiro, que todo o que não prega a fé, manifestamente invalida a lei,
quer direta e grosseiramente, por limitações e comentários que destroem
todo o espírito do texto, quer indiretamente, deixando de apontar o único
meio pelo qual é possível dar cumprimento à própria lei. Enquanto que, em
segundo lugar, “estabelecemos a lei”, tanto no demonstrar sua
plena extensão e seu amplo sentido espiritual, como no apontar a todos
aquele caminho de vida, para que “a justiça da lei neles se possa
cumprir”. Os que só confiam no sangue de Cristo usam de todas as ordenanças
que ele estabeleceu, fazem todas as “boas obras que ele antes havia
preparado para que andassem nelas”, formam e exteriorizam todo o santo e
celestial caráter e ainda a própria mente que havia em Cristo Jesus.
- Mas, a pregação dessa fé não leva os homens ao orgulho? Respondemos
que, acidentalmente, isto pode acontecer; entretanto, todo crente
verdadeiro deve estar perfeitamente a par da advertência contida nas
palavras do grande apóstolo: “Em razão da incredulidade” os
primeiros galhos “foram separados; e tu permaneces na fé. Mas não
te vanglories, mas teme. Se Deus não poupou os ramos naturais, toma
cuidado para que não suceda que ele deixe de poupar-te. Veja, pois, a
bondade e severidade de Deus! para os que caíram, severidade; mas, para
contigo, bondade, se perseverares em sua bondade; de outro modo, também tu
serás desarraigado”. (Romanos 3.27).E, enquanto ele prossegue,
lembremo-nos das palavras de S. Paulo, prevendo e rebatendo tal objeção:
“Onde está, logo, a jactância? Ficou excluída. Por que lei? Pela das
obras? Não; mas pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas obras,
teria de que se gloriar; mas não há glorificação para aquele que “não
obra, mas crê naquele que justifica o ímpio” (Romanos 4.5). No mesmo
sentido são as palavras que precedem e seguem o texto (Efésios 11.4):“Deus,
que é rico em misericórdia, ainda quando estávamos morto em pecados,
reconciliou-nos com Cristo (pela graça sois salvos), para que pudesse
mostrar a suprema riqueza de sua graça em bondade para conosco, em Cristo
Jesus. Pela graça é que sois salvos mediante a fé; e isto não vem de vós
mesmos”.De vós mesmos não vem vossa fé, nem vossa salvação: são “dons
de Deus”; representam livre, imerecida dádiva. A fé, mediante a qual sois
salvos, bem como a salvação que Deus, por sua própria boa vontade, por seu
mero favor, adiciona a ela, procedem do Senhor.O fato de crermos é um
aspecto de sua graça; o fato de, crendo, sermos salvos, é outro aspecto.
“Não pelas obras, para que ninguém se glorie”. Porque todas as nossas obras,
toda a nossa justiça, anteriores à nossa crença, nada merecem de Deus, a
não ser a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, recebida
esta, ela não procede do mérito das obras. Nem a salvação é pelas obras,
quando cremos, porque Deus é quem então opera em nós. Deste modo, dar-nos
recompensa por aquilo que ele próprio realiza, é gesto que somente pode
recomendar as riquezas de sua misericórdia, mas que a nós não nos deixa
coisa alguma de que nos possamos gloriar.
- Falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando
livremente, só pela fé, não incita, porventura, os homens ao pecado? Na
verdade isto pode acontecer e acontecerá: muitos “continuarão no pecado
para que a graça possa superabundar”; mas seu sangue será sobre sua
cabeça. A bondade de Deus deve levá-los ao arrependimento: isto acontecerá
com os que sejam sinceros de coração, os quais, sabendo que ainda há
perdão para eles, clamam com ânsia que desejam também ver canceladas suas
culpas mediante a fé que há em Jesus. E se eles realmente clamam sem
fingimento; se o buscam por todos os meios que o próprio Deus apontou; se
recusam a ser confortados até que venha o Senhor, —“Ele virá e não
tardará”E ele pode fazer grandes coisas em curtíssimo espaço de tempo.
Muitos são os exemplos, nos Atos dos Apóstolos, da divina operação da
graça no coração dos homens, manifestando-se como relâmpago fuzilando
desde os céus. Assim, no mesmo instante em que Paulo e Silas começaram a
pregar, o carcereiro se arrependeu e creu, sendo batizado; o mesmo se dera
com os três mil, no dia de Pentecoste, que se arrependeram “e creram à
primeira pregação de Pedro. E, graças a Deus, ainda há muitas provas vivas
de que ele é “poderoso para salvar”.
- Ainda quanto à mesma verdade, considerada sob outro ponto de vista,
levanta-se a objeção contrária: Se o homem não pode ser salvo depois de
tudo quanto fizer ou possa fazer, isso o lavará ao desespero. Leva-lo-á,
sim, à desesperança de ser salvo por suas próprias obras, seus méritos ou
sua justiça. E deve, ser assim, porque ninguém pode confiar nos méritos de
Cristo, antes que se tenha negado inteiramente a si mesmo. Aquele que
“tenta estabelecer sua própria justiça”, não pode receber a justiça que
vem de Deus. A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto ele confiar
na justiça que vem da lei.
- Mas isto, diz-se, é uma doutrina desoladora. O diabo fala
coerentemente consigo próprio, isto é, sem veracidade nem pudor, quando
ousa sugerir aos homens que seja desoladora a doutrina em questão. É a
única tranquilizadora, “cheia de conforto” para os pecadores que se
destroem e se perdem. “Aquele que nele crê não será confundido,
porque o mesmo Senhor é rico para com todos os que o invocam” Eis
aí o conforto, alto como os céus, forte como a morte! Como! Misericórdia
para com todos? Para Zaqueu, um ladrão público? Para Maria Madalena,
meretriz vulgar? Parece-me ouvir alguém dizendo: “Então eu, também
eu, posso esperar misericórdia!”Podes, sim, aflito, a quem não houve
quem confortasse! Deus não desdenhará tua oração. Talvez te venha ele
dizer imediatamente: “Tem bom ânimo; teus pecados são te
perdoados”; tão perdoados que eles jamais exercerão domínio sobre ti,
e, ainda mais, “o Espírito Santo testificará com teu espírito que
és filho de Deus”. Oh! Alegres boas-novas! Boas-novas de grande gozo,
enviadas a todo o povo! “Oh! Que todo o que tem sede venha às
águas: venha e compre, sem dinheiro e sem preço”. Ainda que teus
pecados sejam “vermelhos como o carmesim” e tantos como teus cabelos,
“volta para o Senhor e ele terá misericórdia de ti; e para nosso Deus,
porque ele te perdoará largamente”.
- Quando nenhuma outra objeção ocorre, simplesmente nos dizem os
opositores que a salvação somente pela fé não deve ser pregada como
doutrina capital, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todos. Mas, que
diz a Espírito Santo? Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já foi
posto, que é Jesus Cristo”. Logo, a doutrina segundo a qual “todo o que
nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação,
isto é, deve ser pregada em primeiro lugar. “Seja assim; mas não a
todos”. A quem, então, não devemos pregar? Quem será excluído? Os
pobres? Não. Eles têm especial direito à pregação do Evangelho. Os
ignorantes? Não. Deus tem revelado essas coisas, desde o começo, aos
simples e ignorantes. Os jovens? De modo nenhum: “deixai-os”, de qualquer
modo, “vir a Cristo, e não os embaraceis”. Os pecadores? Muito
menos. “Ele veio a chamar, não os justos, mas os pecadores ao
arrependimento”. Se, entretanto, tivéssemos de excluir alguns, excluiríamos
os ricos, os letrados, os homens afamados e de boa conduta. É verdade que
estes, de sua parte, se recusam a ouvir; todavia, ainda assim lhes devemos
dizer a palavra de nosso Senhor. O teor de nossa comissão no-lo impõe: “Ide
e pregai o Evangelho a toda criatura”. Se alguém, para sua própria
perdição, falsear ou torcer uma parte dessa palavra, esse tal levará sua
própria carga. Mas, ainda assim, “Vive o Senhor que, seja o que
for que nos disser, isso mesmo diremos”.
- Hoje, mais especialmente, diremos que “pela graça sois
salvos mediante a fé”: porque a sustentação desta doutrina nunca foi
mais oportuna do que no presente. Nada pode mais eficientemente prevenir a
expansão do erro romanista entre nós do que a pregação daquela doutrina.
Seria um nunca acabar o atacar, um a um, todos os erros, daquela igreja;
mas a salvação pela fé corta-os pela raiz e, onde quer que se estabeleça,
imediatamente consome tudo quanto de mau houver em torno. A essa doutrina
é que nossa igreja mui justamente chama a rocha mais forte e o fundamento
da religião cristã, a qual primeiro expulsou o Papismo destes reinos,
sendo que somente ela pode mantê-lo à distância. Nada, a não ser essa
doutrina, pode opor um dique àquela imoralidade que “invade a
terra como um dilúvio”. Podes tu encher gota a gota o grande abismo?
Podes então reformar-nos através de admoestações acerca de vícios
particulares. Venha, porém, a “justiça que é de Deus pela fé”,
e então as ondas orgulhosas serão quebradas e detidas. Nada, senão essa
doutrina, pode fechar a boca àqueles que se “gloriam em seu opróbrio e
abertamente negam o Senhor que os resgatou”. Podem eles falar tão
sublimemente da lei como os que a têm escrita por Deus em seu coração.
Ouvindo-os tratar desta matéria, alguém seria tentado a pensar que eles
não estivessem muito longe do Reino de Deus: mas, que sejam transportados
da Lei para o Evangelho; comece com a justificação pela fé; com Cristo, “o
fim da lei para todo aquele que crê”; e os que agora aparecem
como mais ou menos, senão integralmente, cristãos, logo se declaram filhos
da perdição — tão distanciados da vida e da bem-aventurança (Deus seja
misericordioso para com eles!) como o abismo do inferno está longe das
alturas do céu!
- Por esta razão o adversário se irrita todas as vezes que se prega
ao mundo a “salvação pela fé”: por esta razão o adversário agitou toda a
terra e o inferno, na ânsia de destruir os que primeiro pregaram a “justificação
pela fé”. E pela mesma razão, conhecendo que só aquela fé poderia
subverter os fundamento de seu reino, reuniu todas a suas forças e
empregou todas as suas artes da mentira e tia calúnia para demover
Martinho Lutero do intento de reviver tal doutrina. Nem podemos
maravilhar-nos disto, porque, como observa aquele homem de Deus, “não
podia deixar de irar-se o homem orgulhoso, forte e para ele marcha, tendo
nas mãos um caniço”. Esse furor cresce de vulto quando o adversário
sabe que essa criancinha certamente o derrotará, colocando-o debaixo dos
pés. Em casos tais, Senhor Jesus, tua força tem sido sempre “aperfeiçoada
na fraqueza”!
Vai com coragem, criancinha que crês em Cristo, a
sua “mão direita te mostrará terríveis coisas!” Embora estejas
desamparado e sejas fraco como um recém-nascido, o homem forte não será capaz
de permanecer em face de ti. Tu prevalecerás contra ele, e o subjugarás, e o
dominarás, e o porás debaixo de teus pés.
Sob o comando do grande Capitão de tua salvação,
marcharás “conquistando e vencendo”, até que todos os
teus inimigos sejam aniquilados e “a morte seja tragada na vitória”.
Agora, “graças sejam dadas a Deus, que nos
deu a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo”, a quem, com o Pai e o
Espírito Santo, sejam a bênção, a glória, a sabedoria, os louvores, a” honras,
o poder, a força, para todo o sempre! Amém.